quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A perda do pai

A perda do pai: quem sabe vivenciá-la?
Como aceitar mortal e falível aquela pessoa grande, capaz de conseguir o universo, logo ele, o provedor, abridor de caminhos pelos quais começamos a passar medrosos? A perda do pai é a retirada da rede protetora no momento do salto.
E há que saltar.
É o roubo feito no exato momento em que estávamos a descobrir o melhor do mundo.

A perda do pai é a entrada no lugar-comum, é começar a ser igual a todos os que a sofrem, a ter os mesmos medos, as mesmas frases.
É voltar a se emocionar com o que se desprezava:
datas, pequenas lembranças, objetos, palavras e até com as manias dele que nos irritavam.
A perda do pai é o começo do balanço da própria vida, porque, enquanto vivia, era mais fácil nele descarregar alguns fracassos e culpas.
A perda do pai é o início da significação.
As palavras começam a fazer um estranho e novo sentido.
A perda do pai começa a nos ensinar o valor do tempo:
o que não fizemos, a visita deixada para depois, o gesto adiado, a advertência desdenhada, o convite abandonado sem resposta, o interesse desinteressado...
tudo isso volta, massacrante, cobrando-nos o egoísmo.

Nosso primeiro exame de consciência verdadeiro começa quando o pai morre. Nosso encontro com a morte inaugura-se com a dele.
Nossa primeira noite sem proteção consciente dá-se quando ele já não está.
E nunca somos mais sós que na primeira noite em que já não o temos.
O pai é o mistério enquanto vida e a revelação depois de morto.
Num segundo, entendemos tudo o que, durante a vida, nele nos parecia uma gruta de mistérios.
Seus objetos ganham vida, suas comidas preferidas passam a ter mais gosto, suas frases adquirem o sentido que só o tempo e a repetição outorgam às coisas.

A perda do pai dói muito!
Isso é tudo.
Para que querer saber por quê?
O pai é o eu no outro.
É dois em um, santíssima dualidade a proclamar o mistério e a glória de existir, dívida que com ele temos, sem nunca conseguir pagar, o que o faz, por isso mesmo, sempre, muito melhor do que nós...

(ARTUR DA TÁVOLA)

1 comentário:

  1. Bravo Roberto, muito bem, muito bom.
    É tal como vc diz e descreve. Mas um dia o pai regressa e fica connosco e podemos conversar com ele e nada fica adiado.

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